A vida de Ardonoel ficou por meses monótona. Sua velha rotina se transformara em regra, e o velho só via a luz do Sol quando a dispensa estava vazia.
Cansando desta previsibilidade, tediante até para um senhor da idade dele, Ardonoel resolveu que deveria fazer alguma loucura. Reservou alguns trocados de sua diminuta aposentadoria e se aventurou pelas ruas do mundo em plena sexta-feira.
Ao mesmo tempo que se sentia perdido, os olhos de Ardonoel brilhavam como só haviam brilhado há quase um século. Ele voltara a ser uma criança no sentido de redescobrir o mundo e de apreciá-lo como se fosse a primeira vez.
No meio de seu passeio, enquanto caminhava sem rumo pelas irregulares calçadas de sua cidade e admirava as árvores, as pessoas e o já não tão limpo céu de hoje em dia, nosso personagem bateu o olhar em algo cuja única definição cabível é “apaixonante”.
Assim como as formigas seguem o açúcar, os olhos do nosso velho seguiram a doçura daquele rosto. Um olhar que de tão encantador Ardonoel não conseguira descrevê-lo e um sorriso tão puro e belo que o coração daquele senhor quase lhe saltara pela garganta com a excitação de finalmente ter encontrada a expressão sorridente perfeita.
Ela era mais jovem do que ele, o que não é tarefa difícil, mas nosso querido Sr. Coypam não podia perder a oportunidade de pelo menos saber o nome de sua nova musa, tudo para que ele pudesse tentar descrever aquela imagem com todo preciosismo de detalhes – e o nome é um detalhe importante – que ela merecia.
Então, se aproximou dela o mais rápido que suas fracas pernas conseguiam e perguntou, com um simpático e tímido sorriso:
– “Desculpe, mas qual seu nome?”
– “Pra quê?”, respondeu a bela moça.
Ardonoel então não poupou palavras e explicou o verdadeiro motivo. Se houve algo que ele aprendeu no decorrer dos seus vários anos de vida, é que a sinceridade sempre é a melhor saída. Disse que sua beleza era tamanha que nem todos adjetivos da língua portuguesa juntos seriam capaz de descrevê-la, mas que ele mesmo assim tentaria.
Sim, ele tentaria, simplesmente porque aquela imagem não sairia de sua cabeça tão cedo. É impossível tirar da cabeça alguém que não sai do coração, e aquela moça certamente ficara tatuada no cansado músculo cardíaco de Ardonoel.
Os olhos da moça brilharam e seu sorriso apareceu de maneira discreta. Nosso senhor, um aficionado por detalhes, quase morrera. “Como pude viver todos estes anos sem isto?”, se perguntava repetidamente.
Apesar da diferença de idade e da peculiaridade da situação em que se conheceram, conversaram como se não houvesse amanhã. Ela lhe contou sobre seus gostos e sobre sua vida, enquanto ele prestava atenção em cada deleitável palavra pronunciada por aqueles lindos lábios.
Ardonoel voltou para sua casa já no sábado de manhã, e só não pulava de alegria por conta de seus problemas de joelho. Cantarolava, e a única vez que se o viu mais feliz do que aquele dia foi no domingo a noite, depois de já tê-la encontrado, além da própria sexta, no sábado e no domingo de tarde.
Já em casa, deixando o seu livro de lado mais uma vez, pegou com suas mãos tremulas o lápis de sempre e uma folha em branco, onde tentara escrever sobre a moça, algo que ele nunca realmente conseguiu fazer, uma vez que mesmo adorando as palavras, não conseguia sinônimos o bastante para “beleza”, “doce” e “perfeição”.
Filed under: Ardonoel | Leave a comment »